sábado, 29 de novembro de 2008

Relato do caos

No post anterior afirmei que não iria apresentar detalhes sobre a calamidade que assola Santa Catarina. Mal sabia que no dia seguinte estaria na estrada rumo ao epicentro da devastação. No meio da tarde de quinta-feira fui chamado às pressas ao gabinete da Secretaria de Estado da Educação.

Por volta das 17 horas, eu, o secretário Paulo Bauer e o motorista Roberto estávamos na BR-101 em direção a Jaraguá do Sul, uma das cidades castigadas pela fúria da natureza. Seria uma viagem de inspeção nas escolas estaduais de lá, Blumenau e Itajaí. Para minha surpresa, o trânsito estava tranquilo e, no início da noite, estávamos na simpática e loura Jaraguá do Sul.

Perto da cidade, impressionava o número de barreiras que caíram. Dos dois lados da rodovia, a terra desceu em vários pontos. Em alguns trechos, tudo parecia que viria abaixo a qualquer momento. No município, a água já havia baixado. Falso alento ao vermos o local onde uma montanha de terra soterrou casas, famílias e uma revenda de automóveis. Imagens que o País inteiro assistiu pela TV. Foi impossível não se assustar com o fato de não ter sobrado nada. De existirem lá agora raros sinais de que antes ali havia vida.

Fotos: Alessandro Bonassoli

Do alto: perigo constante

Os maiores estragos, ficamos sabendo na Arena Multiuso de Jaraguá, foram na área rural, onde os colonos perderam simplesmente tudo. Palco de emoções esportivas, a Arena agora é uma fábrica de solidariedade. Em pouco mais de 20 minutos, presenciamos pessoas de todas as idades e classes sociais trabalhando sem parar no recebimento, separação e embarque dos donativos que chegam de todo o Brasil. É tanta gente querendo ajudar que os organizadores têm dispensado mão-de-obra. O ritmo é intenso e grupos de 200 voluntários se revezam a cada turno. Só na quinta-feira, 26 caminhões lotados de mantimentos, como água, comida e roupas saíram de lá rumo às demais cidades atingidas. Seriam outros 30 na sexta-feira.

Jaraguá é a melhor opção logística, pois os caminhões que chegam de outros Estados não têm como ir até Blumenau e Itajaí, por exemplo. Em Jaraguá do Sul, os cálculos iniciais, afirmou a vice-prefeita Rosimeiry Vasel, indicavam 1500 desalojados, mais de 360 barreiras caídas nas estradas da região e um desfalque de R$ 800 mil a R$ 1 milhão nas escolas.

Isso é pouco diante do que vi no dia seguinte, em Blumenau. Em uma reunião da Secretaria de Desenvolvimento Regional, onde estão alojados cerca de 200 policias militares, ficou claro que o caos era muito maior. Só nas imagens das escolas da região que foram afetadas, tive a impressão logo mais comprovada pelo secretário Paulo França. "O que está acontecendo agora é muito maior do que as enchentes de 1983 e 1984. Naquela vez, a água subiu e baixou. Agora, os morros estão caindo", contou com a experiência de quem era secretário de obras durante as duas históricas cheias dos anos 80.


Sujeira: Após os estragos, o mau cheiro da lama

Como fui até lá para registrar o problema nas unidades de ensino, vi apenas de longe o restante do problema. Avenidas inteiras tomadas pela lama, cenário de guerra - como escreveram os colegas do Diário Catarinense. Na Escola Victor Hering, PMs trazidos para ajudar nos reparos e no controle da situação estão alojados com moradores que não têm mais para onde voltar. Curiosamente, o prédio também sofreu com as chuvas.


Símbolo: Nem a bandeira do Brasil escapou

Na Escola Adolpho Konder a lama tomou o ginásio de esportes, a água estragou móveis e equipamentos. Localizada em frente a um cemitério, a unidade precisará passar por um severo trabalho de higienização, pois a água que enxarcou o Campo Santo desceu direto de encontro aos fundos do ginásio.


Alternativa: Erguer os móveis é o recurso

Durante uma reunião no gabinete do prefeito João Paulo Kleinubing, ele tentava demonstrar controle ao expressar fatos aterrorizantes. "Estamos falando em um ano de abrigamento para as vítimas, pelo menos", afirmou. Cercado por assessores, técnicos, bombeiros e políticos que debatiam como alojar tanta gente. Afinal, houve bairros em que várias casas desapareceram. Atrás dele, colado na parede, um mapa do município mostrava vários locais com os quais a comunicação ainda não fora estabelecida.


Desolação: Esqueceram de mim

O imponente prédio da prefeitura de Blumenau é um retrato da situação caótica da cidade, do Estado. Ao sairmos do elevador, topamos com uma equipe do SAMU da Paraiba, que havia recém chegado e já recebia instruções para ir a campo trabalhar no resgate das vítimas. A ante-sala do gabinete do prefeito e a sacada ao seu redor estavam tomadas pela imprensa. Apresentadores, repórteres e cinegrafistas de todo o Brasil transmitindo ao vivo as últimas notícias. Lá fora, ao menos, era um sol maravilhoso, que trazia aquele calor insuportável que só quem já foi a Blumenau conhece. Infelizmente, hoje já choveu novamente.


Sina: Ao fundo, o rio que deu vida e agora traz a morte

Nos olhos das pessoas abrigadas nas escolas da cidade a expressão é de medo. Angústia e desespero. Algumas crianças brincam, talvez alheias aos fatos. Mas seus pais e irmãos nem choram mais. Muitos olham para quem é de fora com um ar de súplica, ainda mais intenso do que os, desafortunadamente, já tradicionais moradores de rua que perambulam pelas cidades de porte médio e grande de Santa Catarina. Uma adolescente de uns 13 anos usava a tomada de uma sala de aula para ligar seu rádio. Ouvia uma música qualquer, ainda atônita. Acompanhava a letra da música sem emitir sons, apenas movendo seus lábios, enquanto olhava seriamente em frente, para o nada.


Perigo: Toda atenção não é o suficiente nas rodovias

A ida para Itajaí acabou adiada, talvez para a próxima terça-feira. Certamente, pelo que contam e mostram os colegas de imprensa, lá o drama é ainda maior. Outros olhares sem direção aguardam.

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